Sinopse:
Em um futuro próximo, as desigualdades sociais e econômicas chegaram a níveis tão alarmantes que o Estado não tem condições de manter a ordem e garantir a segurança pública. Todo o poder é concentrado nas mãos de megacorporações multinacionais que criam e impõem as leis por meio de suas milícias particulares, chamadas Polícias Corporativas.
No Rio de Janeiro, a Fronteira, uma muralha intransponível que cerca a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes, protege os interesses das megacorporações, relegando os habitantes dos demais bairros a uma vida sem lei, em um território dominado pelas gangues. Tudo pode acontecer quando o assassinato de uma prostituta no edifício de uma megacorporação leva um detetive particular a voltar para a Barra da Tijuca, após anos de exílio no que todos se acostumaram a chamar de Zona de Guerra.

Leo Lopes é formado em publicidade e direito. Antes de Rio Zona de Guerra ele havia se aventurado em criar histórias para seus jogos de RPG. A caótica e futurista Rio de Janeiro de seu livro é o resultado de uma vivência pelos contrastes da cidade que é o cartão postal do Brasil.

A mistura de high tech, low life em ambientações noir é a característica clássica em obras cyberpunks. Em Rio Zona de Guerra temos exatamente esse cenário. Esse tropo se mistura a alguns clichês e arquétipos, o que faz do livro uma leitura de lugar comum para o cyberpunk de estilo mais escrachado. Há um equilíbrio grande entre a narrativa policial, a ambientação e o elemento punk, tornando o livro em um thriller futurista postcyberpunk bem brasileiro. Quanto ao enredo, não é necessário dar mais detalhes do que já conta a sinopse.
Sendo a primeira obra que li do autor e da editora, não sabia bem o que esperar. Mas pude notar rapidamente que haveriam muitas cenas descritivas bem detalhadas e cinematográficas. Porém os detalhes que iniciam tão bem o mundo imaginado por Leo Lopes, acabam sendo tão frequentes que, em certos pontos, se tornam infodumps ou, então, retiram do leitor qualquer chance de imaginar e entender aquele universo por si só. Entretanto isso também traz a obra a oportunidade de não se prender a um público específico, podendo facilmente ser consumida por leitores não costumazes de ficção científica.
Se não me engano, Rio Zona de Guerra foi a primeira publicação da Editora Avec, datando do ano de 2014 e achei (como primeiro lançamento) um tanto arriscado. Explico: a literatura de ficção científica ainda é um pequeno nicho no Brasil, até aí nenhuma novidade. Mas o livro é, ao mesmo tempo, estreia de uma editora e de um autor. Além do mais, estamos diante de uma obra cyberpunk que explora o cenário nacional e que não acrescenta nenhuma novidade ao subgênero, apesar de trazer ótimos elementos à trama. Com esse ousado passo inicial, a Avec continuou mostrando sua coragem, trazendo novos e/ou não tão conhecidos autores nacionais. Agora, em 2021, já observamos ela colhendo os frutos com indicações de finalistas e premiações literárias!
Mas voltando ao livro, Rio Zona de Guerra poderia ser o título de qualquer obra de não-ficção com a pegada de “Falcão: meninos do tráfico” (2006), pois o título já nos remete a um contexto bem conhecido dos noticiários. A capa também foi bem acertada. A ilustração de Diego Cunha traz o símbolo principal do universo dessa obra: o muro da Fronteira. Não bastasse a bela ilustração, ela também passa uma clara mensagem ao nos colocar no ângulo de um exilado a olhar a cidade cercada por uma enorme muralha. E mais que isso, as cores e luzes estão todas atrás dela. A Zona de Guerra é apenas escuridão e destroços.
Apesar desses elementos em jogo, a trama se concentra do lado “privilegiado” da história, deixando muitas questões sobre o funcionamento do outro lado sem explicações. E isso acaba sendo estranho, pois o livro é recheado de explicações sobre detalhes que muitas vezes não importam ou não acrescentam nada à trama, como um parágrafo inteiro para descobrir que uma construção abandonada já foi uma base de uma gangue de hackers, mesmo que esse fato não se relacione com o restante da história. Mas quando procuramos entender melhor sobre algo do lado dos exilados, nem sempre encontramos respostas e isso se estende ao protagonista, que passou seis anos na Zona de Guerra, mas sabemos pouco sobre o que ele fez por lá durante tanto tempo. Sabemos, porém, que ele gosta de comer maçãs do tipo Fuji (particularmente, prefiro Gala). Há também uma repetição incômoda da palavra “corporativo(a)” que de tanto se repetir (as vezes aparecendo três vezes numa única folha), acaba se tornando um termo genérico para designar tudo o que possa ser prejudicial ao protagonista, invés de nos tornar ciente de seu funcionamento dentro do âmbito privado do mundo dos negócios.
Sendo uma obra de enredo, ou seja, um livro que vai nos contar uma aventura, Rio Zona de Guerra traz uma interessante história de investigação policial. Os elementos noir ou hardboiled estão todos ali: um crime misterioso, uma femme fatale, uma femme fragile, riscos à vida do detetive, ação e tiros durante a investigação, um inimigo que se esconde nas sombras, etc. Tudo isso aliado a cenas cinematográficas acabam tornando a leitura muito rápida, prazerosa, divertida, cheia de toques de humor, muitas vezes autodepreciativo. Porém ao mesmo tempo isso cria uma certa barreira em volta dos personagens. Mesmo o protagonista, Carlos Freitas, não apresenta grande evolução. Já o cenário do Rio de Janeiro ajuda o leitor a se situar dentro dos eventos com certa facilidade mesmo que não conheça a geografia da cidade, como no meu caso.
Os personagens secundários entram e saem da história e a única realmente interessante é Renata, que tem emoções, falas e atitudes suficientes para ganhar alguma personalidade além do arquétipo. Enquanto que Vivian é totalmente o oposto. Incrivelmente, ainda assim, Vivian vive um romance sem pé nem cabeça, o que a torna ainda mais um mero utensílio dentro da trama. Os personagens negros também não passam de estereótipos, ainda que um deles, o “Branquinho”, seja o único personagem a auxiliar o protagonista verdadeiramente. Os altos e baixos do livro me fizeram lembrar de outra obra cyberpunk nacional, Cyber Brasiliana (2010). Ambos se enrolam em detalhes e infodumps, ambos são ágeis, contém personagens caricatos, são pensados cinematograficamente, são histórias curtas e que não se levam a sério, fugindo de reflexões existencialistas.
Os elementos cyberpunk se apresentam de maneira natural. O narrador onisciente em terceira pessoa está sempre a descrever alguma atrocidade devido as condições da Zona de Guerra e também sobre as maravilhas da futurista Rio de Janeiro. Ou seja, tirando a tecnologia apresentada, não há muitas diferenças da vida real, das notícias dos jornais. A Fronteira que separa a cidade-estado dos exilados, é apenas a extrapolação da nossa realidade. Dessa forma, Leo Lopes precisou apenas elevar a potência dos fatos e ele disse muito sobre isso em algumas entrevistas após o lançamento.
Já a tecnologia, que a princípio parece não ser crucial à trama, em certo momento se mostra como um ponto importante para o desenrolar da investigação de Carlos Freitas. Nessa hora somos apresentados a uma situação muito específica de um questionável transhumanismo. Entretanto, nessa mesma hora, temos pontas soltas na história e percebemos que elas não irão se fechar. Uma delas é a cena final, que vem até o leitor após um lapso temporal e dá uma boa guinada dentro do universo das duzentas páginas anteriores. Confesso que isso não me incomodou, mas a maneira cinematográfica como ela é tratada, sim. Se fosse um filme, bastava uma música empolgante de fundo e depois os créditos finais. Já a outra ponta, relativa a tecnologia, cria um argumento interessante para uma possível continuação, pois sua existência independe do cenário social apresentado ao final. Ou seja, com essas duas pontas temos um contexto intrigante para uma possível sequência.
A Avec demonstrou ter capricho com a edição, mesmo ela sendo sua publicação de estreia. A primeira e última folha apresentam uma pequena ilustração que acompanha o logo do título. O papel usado é o Lux Cream 70g, por ser amarelado e pouco reflexivo, não cansa a vista. Meu único pesar é que meu exemplar chegou com uma marca de pressão sobre a capa e com uma dobra num dos cantos. Mas acidentes acontecem…
Rio Zona de Guerra foi publicado em e-book antes de encontrar uma casa editorial. Desconheço se havia diferenças de uma edição para a outra, mas mesmo que houvessem, elas não justificariam algumas das resenhas que encontrei sobre o livro por aí. Não que fazer resenha seja uma arte, mas algumas pareciam baseadas na leitura do primeiro e último capítulo somente, ou então com alguma comparação forçada, ou mesmo resenhas que falam muito sem dizer nada (e me preocupo caso essas sejam de parcerias da editora), o que não deveria acontecer já que, para o gênero, é um livro rápido e que não exige muito do leitor.
Como maneira de complementar a leitura, deixo o link para duas entrevistas com o autor, onde é possível compreender de onde e como surgiu Rio Zona de Guerra e sobre a adaptação para uma longa metragem que foi anunciada em 2015 (com nomes famosos da televisão brasileira). Mas desde 2016 que não circula mais nenhuma notícia sobre o fato, por isso achei melhor não estender a resenha para esse lado.
Entrevista Blog do Judão:
https://judao.com.br/rio-zona-de-guerra-historia-de-detetive-em-um-futuro-distopico-vai-virar-filme/
Entrevista site Avec Editora:
https://aveceditora.com.br/entrevista-com-leo-lopes-autor-de-rio-zona-de-guerra/
Onde adquirir:
É possível comprar Rio Zona de Guerra em versão física diretamente pela loja da editora através do link:
https://aveceditora.com.br/produto/rio-zona-de-guerra/
Ou em diferentes sites de livrarias.
Já a versão digital em e-book está disponível na Amazon:
https://www.amazon.com.br/RIO-Guerra-portugu%C3%AAs-Leo-Lopes-ebook/dp/B018W6OGT4/
Aos que gostaram do livro, existe um pouquinho a mais para ser acrescentado através do blog criado pelo autor (apesar dele não receber uma postagem nova há anos):
https://riozonadeguerra.wordpress.com/